O banquete celestial
voltar aos contosFoi numa época muito remota, em que os pássaros já viviam sobre Torra e voavam de árvore em arvore, mas só se alimentavam no Céu.
Nesta época, Atoj, a raposa, já existia também, mas era diferente, com uma boca bem pequenininha.
Um dia, o Mallcu, o condor se encontrou com Atoj e ela lhe disse – Mallcu, senhor dos ares, sabe que escuto os pássaros falarem que no Céu há um banquete todos os dias? E que ali há comidas saborosas nunca vistas aqui na Terra?
Condor, que era muito senhor de si, não respondeu nada, só balanço sua nobre cabeça concordando.
Atoj, a raposa, não perdeu tempo, foi logo pedindo ao condor que a levasse para o Céu.
Mallcu, o condor, respondeu de maneira severa:
– Atoj, preste bastante atenção ao que vou dizer. Levá-la eu até levo, mas com a condição de que você se comporte. Você é muito malcriada e lá no Céu todos são muito educados. Você vai, participa do banquete e pode comer à vontade, mas cuidado com a etiqueta. E, especialmente, nada de roer ossos!
Atoi, a raposa, aceitou correndo a proposta. Mallcu, o condor agarrou-a pelas costas e saiu pelos ares, até chegarem a um colchão de nuvens, onde o grande senhor dos ares pousou com toda a leveza soltando a raposa.
Dali a pouco chegaram todas as aves da criação e começaram o banquete daquele dia. Havia as mais deliciosas iguarias, espalhadas sobre toalhas muito belas: milho, quinoa, batatas e carnes das mais diversas, porque havia muitas aves carnívoras.
Atoj, a raposa, se fartou! As horas passaram e, pouco a pouco todas as aves partiram. Mas a raposa, gulosa, deixou-se ficar por ali mesmo.
Quando se pegou sozinha, lá foi ela, muito animada, roer os ossos que tinha deixado amontoados num cantinho de nuvem. Foi quando surgiu, de repente, Mallcu, o condor e disse:
– Ahá! Eu queria ver se você seria capaz de cumprir sua palavra. Não, não é, sua raposa mal-educada? Falsa como de costume, dona Raposa! Pois bem, agora volte para casa sozinha. Quero só ver!
E não esperou nem resposta, abriu suas enormes asas e voou para longe.
A pobre raposa corria de um lado para o outro da nuvem em que estava. Chegava-se assim bem na beirada e olhava lá para baixo:
-Ah, que vertigem! E agora? O que vou fazer?
E pôs a lamentar-se, uivando desconsoladamente. Um bando de pássaros pequenos passava por ali e, ouvindo os uivos, parou para perguntar a Atoj qual era o problema. Com pena dela, desceram até a terra, cortaram um cipó e subiram de novo até a nuvem:
– Venha, Atoj, nós a levaremos até a terra.
A raposa agarrou-se bem ao cipó e foi pelos ares, desta vez carregada pelos passarinhos. Avistou no caminho um bando de papagaios e pôs se a caçoar deles:
– Ei, vocês, louros! Gentinha besta! Cocozentos!
Os papagaios vieram furiosos para cima de Atoj, mas ela, com jeito, convenceu-os de que estava brincando…
Dali a mais um tempo, a raposa recomeçou sua provocação ao bando:
– Ei, louros! Vocês não valem nada! Idiotas!
Desta vez os papagaios não tiveram contemplação, voaram em direção a Atoj e cortaram o cipó.
Atoj, a raposa, se arrebentou no chão como uma laranja madura. De sua barriga saíram todos os alimentos que tinha com comido no Céu e foi assim que a Terra conheceu e passou a cultivar o milho, a quinoa e a batata.
A kantuta tricolor e outras histórias da Bolívia/ seleção e adaptação de Susana Ventura – São Paulo: Editora Volta e Meia, 2016. Ilustrações Bernadita Uhart.