De repente, eles ouviram passos
NO METRÔ: expectativas, um friozinho na barriga e o medo de “ter dado um passo maior do que a perna”, como diria minha avó.
O PRÉDIO IMPONENTE, FAMILIAR, ACOLHEDOR.
Uma porção de pessoas sorridentes e com corpos bem despertos para o dia azul que começara há pouco.
Uma sala com o tamanho de um abraço.
Mais pessoas sorridentes, os sorrisos mais próximos, o suficiente pra se poder começar a espiar pelas janelinhas dos olhos.
O rosto, que eu não reconheci (já que tenho hipermetropia e as fotos são pequenas) me lembrou o índio dos charutos do Pica Pau. Ele sorriu também e os pequenos medos começaram a cochilar no quentinho do estômago.
NOMES, ORIGENS, PAÍSES, PAISAGENS.
“GOSTARIA DE PERGUNTAR SE VOCÊS QUEREM QUE SE FECHEM AS JANELAS. PARA UM CANADENSE ESTÁ ÓTIMO, MAS SEI QUE PARA OS BRASILEIROS PODE ESTAR UM POUCO FRIO.”
Em vários momentos pensei que essa pessoa deve vir nos observando com curiosidade afetiva durante algum tempo. Nós, brasileiros.
Algumas poucas palavras sobre o contador de histórias de modo geral, e de um em particular, num certo acampamento de crianças, que contava histórias sobre um velho na floresta com um machado.
Algumas considerações sobre os brasileiros gostarem de contar.
Sobre atores que contam.
“O ATOR SE COLOCA ENTRE A HISTÓRIA E O OUVINTE E O CONTADOR TRANSMITE DIRETAMENTE A HISTÓRIA AO PÚBLICO.” Assim disse Alice Kaine (?) – uma das primeiras mestras.
“EM ALGUM PONTO DA NARRATIVA, O CONTADOR DESAPARECE”.
Uma apresentação de contadores de histórias tem que ser através de uma história. As melhores são as vividas por nós em nossas famílias. Conheci famílias grandes que se vêem pouco, famílias grandes que moram todos pertinho, famílias pequenas e silenciosas, ou barulhentas, mães judias e italianas, muitos judeus trazendo seu tradicional amor por ouvir e contar histórias, histórias de crianças levadas, perdidas, de ruas e hospitais.
GENTE MUITO INTERESSANTE.
PESSOAS CONFORTÁVEIS E CHEIAS DE AMOR PELAS LEMBRANÇAS QUE FORAM CHAMADAS.
CONTADORES PODEROSOS NO PLENO EXERCÍCIO DA SUA MAGIA.
O encantamento vem do amor pela sua memória, pelos elementos que compõem essa memória, que preenche o espaço interno e se derrama por três portas do rosto.
EXERCÍCIO: STORY MARKET
- Escolha um momento que você sente como ponto alto da sua história (aquela que devia ter sido escolhida para a oficina).
- Relate para o seu vizinho a título de ensaio.
- Interrompa num ponto em que você acha que vai instigar o interesse do ouvinte.
- Troquem impressões sobre as escolhas de cada um.
Feito o ensaio, temos candidatos que se posicionam numa banca de feira. O público circula livremente e, finalmente, é avisado “Hey look, a storyteller!”
As histórias vão se revezando.
“NÃO SE ESQUEÇA QUE A MELODIA É TÃO FORTE QUE, QUANTO MAIS SUAVE VOCÊ TOCAR, MAIS FORTE ELA SERÁ.”
“NUNCA USE UM ÁS SE VOCÊ PODE JOGAR COM UM DOIS.”
“EXPERIMENTE CONTAR SÓ COM O GESTO.”
“EXPERIMENTE NÃO SE MOVER.”
“VAMOS EXPERIMENTAR FAZER OS GESTOS JUNTO COM ELA. QUAL É O GESTO QUE VOCÊ SENTE COMO O MAIS FORTE QUANDO ELE ESTÁ SOZINHO, SEM A PALAVRA.”
“QUAL É A PALAVRA MAIS SABOROSA?”
Acho que estou conseguindo perceber…
13/05
Trabalhar a história.
Descrever uma das cenas no tempo presente, em detalhes, para o seu parceiro.
Não mencionar os nomes das emoções, descrever os movimentos, músculos, sons que as definem e manifestam.
Ouvir minha história, uma pequena parte mais forte, contada pelo meu parceiro, me faz enxergar outros detalhes, perceber diferente algumas passagens. Nem tudo precisa ser escolhido, mas é interessante essa mudança de ângulo.
E então, acrescentar movimentos.
E sons.
E fazer o do outro.
E acertar esses novos no meu corpo.
E ser outro novo, porque agora é meu.
E voltando às histórias pessoais e às palavras sábias de outros tempos, fomos à prateleira dos ditados populares no mercado de histórias.
“QUAL HISTÓRIA PESSOAL VOCÊ TEM QUE PODE SER FINALIZADA COM UM DESSES DITADOS?”
Muitas coisas para rir, algumas para pensar.
Um deles me agarrou pela perna e não largou mais. Só que eu não consegui ver a cara dele. Sabe, que nem mosquito no escuro?
O QUE VOCÊ ESTÁ PROCURANDO, É O QUE VOCÊ ESTÁ USANDO PARA PROCURAR.
Sei lá…
Conscientemente, sabendo o que fazer com ele, escolhi outro.
VOCÊ FAZ O CAMINHO AO CAMINHAR.
Olhando para trás, parece que eu sempre tive chances maravilhosas, estive em lugares e com pessoas, que eu não estava realmente preparada para viver. Tudo sempre se ajeitou, e foi ótimo. Mas essa sensação de “não estou pronto” não é muito agradável. Paciência…
De qualquer forma, trouxe o outro ditado, secretamente, no fundo da mochila. Ele ainda está lá, plantado no escurinho. Vamos ver o que a primavera trará.
14/05
Algumas poucas histórias foram escolhidas pelo nosso guia. Não sei qual foi o critério dele, mas foram escolhas maravilhosas, intensas, tocantes, sólidas, verdadeiras.
Escutamos sobre uma menina que teve a chance de ver o que havia dentro de um menino.
Uma amizade que nasceu no Boca, cruzou o oceano, plantou suas raízes na África e, talvez por isso, não possa mais se desfazer. Encantou.
A terceira eu não consigo trazer de volta. Se perdeu na neblina que as outras duas lançaram nos meus olhos.
Como é essa atenção flutuante, que entra e sai do meu corpo? Que fica agarrada nas cores e cheiros que passaram pela janela do meu ouvido e teima em não me obedecer.
“Fica quieta! Olha que aí vem outra! Você vai perder!”
Para as histórias, uma última recomendação: em algum momento do caminho lançar a pergunta:
VOCÊS QUEREM QUE EU CONTINUE?
Delícia quando a plateia responde de verdade!
Várias histórias vieram. Todas trazidas com a segurança das amizades antigas.
UMA LUA-ESPELHO QUE, DEPOIS DE MOSTRAR TUDO O QUE VIU PARA UMA PRINCESA SOLITÁRIA NO ALTO DE UMA MONTANHA, DERRAMA SEUS REFLEXOS NUM RIO QUE CORRE O MUNDO TODO, DEVOLVENDO AS IMAGENS A SEUS DONOS.
UM PAÍS MUITO ESTRANHO, ONDE AS PESSOAS PRECISAVAM COMPRAR AS PALAVRAS E ENGOLÍ-LAS ANTES DE DIZÊ-LAS.
UM DEUS CURIOSO QUE QUIS SABER COMO ERA DENTRO DA BALEIA QUE ELE CRIOU.
UM MENINO QUE, INCOMODAMENTE, VIROU UM GIGANTE CIUMENTO DO SEU JARDIM.
Lindas…
Outro mestre disse:
“TRÊS COISAS QUE O CONTADOR NÃO PODE ESQUECER: SE MANTER A VISTA PARA QUE TODOS POSSAM VÊ-LO, TORNAR SUA VOZ AUDÍVEL PARA QUE POSSAM OUVÍ-LO E SABER PARAR PARA SER SEMPRE AMADO POR TODOS.”
Uma experiência inesquecível, doce, profunda.
Uma troca saborosa entre pessoas apaixonadas e apaixonantes.
Um presente pelo qual eu só posso agradecer.