O cágado e a fruta – Versão de Silvio Romero (1851 – 1914)

voltar aos contos 3 de março de 2021

Diz que foi um dia, havia no mato uma fruta que todos os bichos tinham vontade de comer; mas era proibido comer a tal fruta sem primeiro saber o nome dela. Todos os animais iam à casa de uma mulher que morava nas paragens onde estava o pé de fruta, perguntavam a ela o nome, e voltavam para comer; mas quando chegavam lá não se lembravam mais do nome. Assim aconteceu com todos os bichos que iam e voltavam, e nada de acertar com o nome. Faltava somente amigo cágado; os outros foram chamar ele para ir por sua vez. Alguns caçoavam muito, dizendo: “Quando os outros não acertaram, quanto mais ele!” 

Amigo cágado partiu munido de uma violinha; quando chegou na casa da mulher perguntou o nome da fruta. Ela disse: “Boyoyô-boyoyôquizamaquizu, boyoyô-boyoyôquizamaquizu.

Mas a mulher, depois que cada bicho ia-se retirando já em alguma distância, punha-se de lá a bradar: “Ó amigo tal, o nome não é esse, não!” E dizia outros nomes; o bicho se atrapalhava, e quando chegava ao pé de fruta não sabia mais o nome. Com o cágado não foi assim, porque ele deu de mão à sua violinha, e pôs-se a cantar o nome até ao lugar da árvore, e venceu a todos.

Mas amiga onça, que já lá estava à sua espera, disse-lhe: “Amigo cágado, você como não pode trepar, deixe que eu trepe para tirar as frutas, e você em paga me dá algumas.” O cágado consentiu; ela encheu o seu saco e largou-se sem lhe dar nenhuma. O cágado, muito zangado, largou-se atrás.

Chegando os dois a um rio ele disse à onça: “Amiga onça, aqui você me dê o saco para eu passar, que sou melhor nadador, e você passa depois.” A onça concordou, mas o sabido, quando se viu da outra banda, sumiu-se, ficando a onça lograda. Esta formou o plano de o matar; ele soube e meteu-se debaixo de uma raiz grande de árvore onde ela costumava descansar.

Aí chegada, pôs-se ela a gritar: “Amigo cágado, amigo cágado!” O sabido respondia ali de pertinho: “Oi.” A onça olhava de uma banda e doutra e não via ninguém. Ficou muito espantada, e pensou que era o seu traseiro que respondia.

Pôs-se de novo a gritar, e sempre o cágado respondendo: “Oi!”, e ela: “Cala a boca, oveiro!”, e sempre a coisa para diante. Amigo macaco veio passando, e a onça lhe contou o caso da desobediência de seu traseiro e lhe pediu que o açoitasse. O macaco tanto executou a obra que a matou. Deu-se então o cágado por satisfeito.

ROMERO, Silvio. Contos Populares do Brasil. São Paulo: Landy Editora, 2008.