O Cágado e a Fruta – Versão de João da Silva Campos (1880 – 1940)

voltar aos contos 15 de março de 2021

Era um tempo de muita fome. Então apareceu uma árvore cobertinha de frutas maduras. Mas os bichos, como não sabiam seu nome, não queriam ir comê-las. Reuniram-se todos e disseram Que era preciso um deles ir ao Céu, para o Nosso Senhor dizer como se chamava a fruta. Foi um deles ao Céu e Nosso Senhor ensinou o nome da fruta.O bicho, para não esquecer, veio cantando o nome: 

 “ Muçá, muçá, muçá,

Muçangambira, muçauê. “

No caminho morava uma velha feiticeira. Quando o bicho passou pela porta da velha, perguntou-lhe ela o que andava fazendo e o bicho então contou-lhe o que se passava. A velha, de má que era, saiu na frente, dele, cantando: 

“ Munga, selenga, ingambela,

Vina, quivina, vininim…”

O bicho atrapalhou-se e esqueceu o nome da fruta. Lá se foi outro perguntar de novo ao Nosso Senhor o tal nome. O mesmo que se deu com o primeiro, deu-se com este e, por fim, com outros que foram ao Céu, no mencionado propósito: a velha atrapalhava-os com a cantiga, fazendo-os esquecer o no me da fruta. Afinal de contas foi o cágado. Nosso Senhor ensinou-lhe o nome da fruta e ele voltou devagar, cantando:

“Muçá, muçá, muçá,

Muçangambira, muçauê.”

Quando foi passando pela porta da feiticeira, esta foi saindo e perguntando, como de costume: 

– Aonde vai cágado?

O cágado só cantando a sua cantiga, bem de seu,sem se importar com a velha: Tornou a mulher: 

– Aonde vai cágado?

O cágado só cantando.A velha saiu na frente dele:

 “ Munga, selenga, ingambela,

Vina, quivina, vininim…”

Mas o cágado nem como coisa. Nada de se atrapalhar, no seu rojão, cantando o nome da fruta. A velha danou-se. Agarrou-o e atirou-o de costas no chão, com toda a força. O cágado virou-se dizendo:

 “ Arre! Pula!

Cercé, bize.”

E  continuou o seu caminho, sem esquecer o nome da fruta. Depois de dar-lhe muitas quedas, vendo que nada arranjava, a velha foi-se embora, fumando de raiva. O cágado chegou onde estavam os bichos e disse-lhes o nome da fruta. Eles, muito contentes, agradeceram ao cágado o grande favor que lhes prestava; mas o pobre ficou com o casco todo arrebentadodas quedas que a velha feiticeira lhe deu, como até hoje se vê.

 

MAGALHÃES, Basílio. O folclore no Brasil: com uma coletânea de 81 contos populares organizados pelo Dr. João da Silva Campos.Brasília: Edições do Senado Federal; 2019.