A bicharada novidadeira – Versão de Chico dos Bonecos (1959)
voltar aos contosVou apresentar para vocês um brinquedo invisível. (“Ai ai ai. Tanto brinquedo visível e ele vai apresentar logo o invisível?!”)Ou seja: vou contar uma história – sendo uma história, cada um imagina a paisagem, os objetos de cena, os barulhos, as personagens.
E tem mais;dentro dessa história existe um outro brinquedo invisível escondido. (“Que coisa complicada! O brinquedo é invisível e ainda está escondido?!”)Nós vamos decifrar essa charada lá no final- se é que existe um final pra tudo isso que vem por aí.
Respirando profundamente…E boa imagem, quer dizer, boa viagem!
O planeta Terra estava ainda em formação – e a nossa história aconteceu nessa época.
Um dia (e nada melhor do que duas noites e um dia no meio), surgiu no planeta uma Árvore Nova. Os bichos rodearam a novidade, cheiraram, entreolharam-se, e resolveram enviar a Jaguacacaca para aprender o nome da fruta.
Lá no início do mundo, antes de comer a primeira fruta da primeira árvore…
E lá se foi a Jaguacacaca, cinco sílabas e cinco “as”. Chegando no aldo da montanha, perguntou:
-Óóó Estrela, qual o nome daquela fruta nova que pipocou aqui na Terra?
E a Estrela respostou:
– O nome da fruta é gudanja de gurrufanja de maracutanja de xirigabutanja.
– Uma vez, estava numa praça empinando essa história para um grupo de crianças, adultos, bicicletas e passarinhos. E quando a Estrela falou “ o nome da fruta é gudanja de gurrufanja de maracutanja xiringabutanja” uma menina levantou a mão, com absoluta convicção, e anunciou:
– Maçã!
Voltando para a história.
Onde estávamos? (“A Estrela acabou de respostar.”)Obrigado.
A Jaguacacaca agradeceu e desceu cantando:
– Gudanja de gurrufanja de maracutanja xirigabutanja.
De repente, de rompante, nesse instante de puf-puf, surge a Misteriave Osa – e el vai se aproximando, sobrevoando e cantando:
– Panja serramatutanja catibiribanja fifirifanja panja.
E assim, esvoalando, cantaroçante, a Osa Misteriave desapareceu do jeitinho que apareceu: de repente, de rompante.
Quando a Jaguacacaca tropeçou na sombra da Árvore Nova, a bicharada já estava lá, boquiaberta, novidadeira:
-Qual o nome da fruta?
E os cinco “as” respiraram profundamente:
– O nome da fruta gudanja panja franja esbarra esbanja arranha arranja. Errei arranja. O nome da fruta é gudanja panja franja canja. Canja? “É canja, é canja, é canja de galinha! Arranja outro bicho pra jogar na nossa linha!”
O que significa isso? O nome virou um verdadeiro xis-bola-parafuso-guindaste!
Diante daquela situação deveras cajumerélica, isbroglótica, a Murucututu, cinco sílabas e cinco “us”, esparramou a ideia na nova sombra:
-Que tal enviarmos o compadre Jabuti?
Justamente o Jabuti… Ah! O Jabuti ficou tão feliz com aquela escolha, tão feliz ficou!, que resolveu fazer um discurso:
-Volto já já!
E lá se foi o Jabuti andando pelo nosso planetinha. Em menos de uma semana, conseguiu escapulir da sombra da Árvore Nova.
Seis meses depois, chegou no alto da montanha e soltou a especula-de-rodinha:
-Óóó Estrela, qual o nome daquela fruta nova que pipocou na Terra?
Silêncio.
-Acho que a Estrela não consegue me escutar. Vocês poderiam me ajudar? Óóó estrela, qual o nome daquela fruta nova que pipocou aqui na Terra?
Silêncio.
Enquanto a Estrela não responde, vamos combinar o seguinte: vou paralisar a melosquência nessa cena, exatamente nessa cena. Em seguida, vamos sair de dentro da história, aprender o nome da fruta e depois voltar pra dentro da história e ver como termina esse bafuá – se é que esse bafuá tem fim.
Pronto.. Lá está a nossa história. O que estamos vendo ali? Qual o nome da nossa personagem?Uma vez estava numa sala de aula apresentando este brinquedo para as crianças. Quando saí de dentro da história e perguntei “O que estamos vendo ali?”, um menino respondeu:
-Uma tomada!
Sempre desconfiei que existia uma tomada no início do mundo…
Voltando para a história. Onde estávamos?(“Voltar para onde? Você saiu de dentro da história neste minuto!”)Obrigado. Bem lembrado.
Então, vamos aprender o nome da fruta. Eu canto um pedacinho e vocês cantam em seguida. Respirando profundamente…
-Gudanja…De gurrunfanja…De maracutanja…Xiringabutanja…
Está ficando bom – e vai ficar melhor: Vamos dividir os ouvintes em duas turmas. este grupo canta os dois primeiros pedacinhos:
-Gudanja de gurrunfanja.
Aquele grupo, os dois últimos pedacinhos:
-De macutanja xiringabutanja.
Chegou a hora de costurar os quatro pedaços e cantar o nome completo:
-Gudanja de gurrufanja de maracutanja xiringabutanja.
Beleza! Quem diria?, o que parecia impossível virou cantoria. Merecemos uma salva de dedos.
Agora vamos voltar pra dentro da história e ver como termina esse trololó – se é que esse trololó tem fim.
De onde eu saí? Pronto. Voltamos para a história exatamente na cena…
Seis meses depois, a Estrela respostou:
-O nome da fruta é gudanja de gurrunfanja de maracutanja de xiringabutanja.
Sendo o Jabuti um bicho muito calmo, tranquilo, paciente-parente que é da Tartaruga-, ele cantava um pouco mais jajabutisticamente:
-Gudanja de gurrunfanja de maracutanja xiringabutanja.
De repente, de rompante, nesse instante de puf-puf, surge a Misteriave Osa – e ela vai se aproximando, sobrevoando e cantando…
Vamos combinar o seguinte: eu saio por aí cantando a música da Osa Misteriave e vocês cantam a música do Jabuti. Pronteco terereco? Vou contar de “mu” até “já”. Atenção. Um, dois, três e já!
-Gudanja de gurrunfanja panja serramatutanja de maracutanja catibiribanja sinringabutanja fifirififanja panja gudanja…
E assim, esvoalando, cantaroçante, a Misteriave Osa desapareceu do jeitinho que apareceu: de repente, de rompante.
Seis meses depois, o Jabuti mergulhou na sombra da Árvore Nova. E a bicharada novidadeira sapecou a pergunta:
-Qual é o nome da fruta?
E para o espanto planetário o Jabuti respondeu cantando:
-Gudanja de gurrunfanja de maracutanja de xiringabutanja.
e o que aconteceu daí pra frente, do “espanto planetário” em diante? Daí pra frente… Haja cantoria!
E acontece , também, que a história já está de bom tamanho. Na minha opinião, ela poderia , muito bem, terminar por aqui, mas… e a vontade de continuar imaginando?
Por exemplo… Por que essa tal de Misteriave Osa vivia sobrevoando o caminho dos bichos? O que vocês imaginam?
Já escutei, de um menino, a seguinte explicação:
-Deu linha cruzada. A Osa Misteriave fazia parte de outra história.
Certa vez, uma menina arquitetou esse argumento:
-A Misteriave Osa não suportava aquela musiquinha entojada. Ela queria alguma coisa mais dançante: Panja Serramatutanja Catibiribanja Fifirififanja Panja.
Antes de terminar o interminável, quero relembrar a charada inicial. Vocês lembram?
“E tem mais: dentro dessa história existe um outro brinquedo invisível escondido. (“Que coisa complicada! O brinquedo é invisível e ainda está escondido?”)”
Encontraram? Desconfiaram?
Então, vamos descobrir juntos. Por exemplo: o meu apelido é Francisco e o meu nome é Chico. Chico? Gudico de Gurrunfico de Maracutico Xirigabutico. Hãh! É a música do Jajabuti!
Por favor, qual o seu nome?
Rosângela?! Hãh!Gudângela de gurrunfângela de Maracutângela xiringabutângela. Será possível?
Por obséquio, o seu nome?
Gabriel?! Hãh!Gudel de gurrunfel de Maracutel xiringabutel. Pescaram o segredo?
Uma vez eu estava conversando com uma criança:
-Qual o seu nome? Antônio?! Gudônio de gurrunfônio de Maracutônio xiringabutônio.
Aí o menino arregalou os olhos e respondeu;
-E eu sei dar cambalhota debaixo d’água!
Continuando as descobertas… Onde estávamos? (“Estamos tentando terminar o interminável.”) Obrigado.
Qual o seu nome, por obséquio?
Janaína?! Pina Serramatutina Catibiribina Fifirififina Pina. Hã! A mesma coisa – só que diferente. É a música da Misteriave Osa!
Decifraram a charada?
O “brinquedo invisível escondido” é uma brincadeira com palavras, uma mistura de língua secreta com travalíngua. A gente pesca a rima do nome encaixa naqueles sons abracadabrantes. Abracadabrantes?! Hãh! Pantes Serramatutantes Catibiribantes Fifirififantes Pante.
Por esse motivo serramatutivo, a fruta da Árvore Nova – muitos e muitos anos depois – recebeu o nome de… Laranja.
Ainda bem que mudaram o nome da fruta. Já pensou? Chegar na feira e pedir “uma dúzia de gurrunfanja de maracutanja siringabutanja”.
É… Fica mais fácil falar – mas é tão bom cantar. Já estou com saudade daquela musiquinha. Como é mesmo?
MARQUES, Francisco. Muitos dedos:enredos: um rio de palavras deságua num mar de brinquedos. São Paulo: Peirópolis. 2005.