A Tartaruga e a Fruta Amarela – Versão de Ricardo Azevedo (1949)
voltar aos contosO tempo era de seca. O calor estava de rachar pedra. Sem chuva, a floresta quase secou. A bicharada andava para lá e para cá cheia de fome e de sede.
Um dia, ninguém sabe como, apareceu uma árvore carregadinha de frutas. As frutas eram lindas e amarelas mas os bichos ficaram com medo.
– E se for azeda? – disse o papagaio.
– E se for venenosa? – disse o macaco.
– E se for feitiço? – disse a capivara.
Com água na boca, a bicharada olhava aquelas frutas madurinhas mas ninguém tinha coragem de experimentar.
– A gente não pode comer a fruta sem saber o nome dela – ensinou a coruja.
Então, os bichos fizeram uma reunião e escolheram a anta.
– Vá até o céu – pediram eles -, e pergunte a Deus qual o nome dessa fruta.
A anta foi e Deus explicou tudo direitinho. Para não esquecer o nome da fruta amarela a anta voltou do céu cantando:
Carambola, carambola
Não posso esquecer seu nome
Carambola, carambola
Que meu povo está com fome
Acontece que no caminho morava uma bruxa malvada.
A mulher perguntou que cantoria era aquela e a anta explicou.
A bruxa deu risada e gritou:
Caranguejo, caramujo
Carapaça, carrapicho
Carrapato, carraspana
Carapeta, carabina
Ouvindo o canto da bruxa, a anta se confundiu. Ao chegar na floresta não conseguiu mais lembrar nome nenhum.
Os bichos fizeram outra reunião e escolheram o tatu.
– Vá até o céu – pediram eles -, e pergunte a Deus qual o nome dessa fruta.
O tatu foi e Deus explicou tudo direitinho. Para não esquecer o nome da fruta amarela, o tatu voltou do céu cantando.
Carambola, carambola
Não posso esquecer seu nome
Carambola, carambola
Que meu povo está com fome
No caminho, encontrou a bruxa malvada.
A mulher perguntou que cantoria era aquela e o tatu explicou.
A bruxa deu risada e gritou:
Caranguejo, caramujo
Carapaça, carrapicho
Carrapato, carraspana
Carapeta, carabina
Ouvindo o canto da bruxa, o tatu se confundiu. Ao chegar na floresta não conseguiu mais lembrar nome nenhum.
Outra vez, os bichos fizeram uma reunião e escolheram a tartaruga.
– Vá até o céu – pediram eles -, e pergunte a Deus qual o nome dessa fruta.
A tartaruga foi e Deus explicou tudo direitinho. Para não esquecer o nome da fruta amarela a tartaruga voltou do céu cantando:
Carambola, carambola
Não posso esquecer seu nome
Carambola, carambola
Que meu povo está com fome
No caminho, encontrou a bruxa malvada.
A mulher perguntou que cantoria era aquela. A tartaruga não disse nada e continuou cantando:
Carambola, carambola
Não posso esquecer seu nome
Carambola, carambola
Que meu povo está com fome
Mas a bruxa deu risada e gritou:
Caranguejo, caramujo
Carapaça, carrapicho
Carrapato, carraspana
Carapeta, carabina
A tartaruga nem ligou. Continuou pelo caminho cantando:
Carambola, carambola
Não posso esquecer seu nome
Carambola, carambola
Que meu povo está com fome
Então a bruxa gritou:
Carapina, carapuça
Caravela, caravana
Cara-suja, caradura
Carafuzo, carapinha
A tartaruga gritou mais alto:
Carambola, carambola
Não posso esquecer seu nome
Carambola, carambola
Que meu povo está com fome
A bruxa berrou:
Carapeba, carangola
Carandonga, caripora
Caraúba, caraíba
Carantonha, curupira
A tartaruga nem ligou. Continuou cantando sua música sem errar:
Carambola, carambola
Não posso esquecer o nome
Foi quando a bruxa perdeu a cabeça, agarrou a tartaruga, bateu e jogou no chão.
E a tartaruga:
Carambola, carambola
Que meu povo anda com fome
A bruxa atirou um monte de pedra em cima da tartaruga.
E a bichinha:
Carambola, carambola
Não posso esquecer o nome
No fim, a bruxa bateu na tartaruga com um pedaço de pau.
Depois, com um pedaço de ferro. Depois, atirou a coitada do alto do despenhadeiro. A tartaruga caiu lá embaixo no meio das pedras, levantou-se, sacudiu a poeira e continuou cantando:
Carambola, carambola
Não posso esquecer o nome
Carambola, carambola
Que meu povo anda com fome
Vendo isso, a bruxa desistiu de tudo e foi embora para sempre.
A tartaruga chegou na floresta cansada. Contou o nome da fruta amarela. A bicharada agradeceu, fez uma festa e matou a fome e a sede de tanto comer a fruta amarela.
Desde então o povo da floresta passou a conhecer a carambola.
Desde então, por causa de tantos tombos, pancadas e quedas, a tartaruga ficou com o casco enrugado e achatado na parte de baixo.
Azevedo, Ricardo. Histórias que o povo conta : textos de tradição popular. São Paulo : Ática, 2002. – (Coleção literatura em minha casa ; v.5)