O Cágado e a Fruta – Versão de João da Silva Campos (1880 – 1940)
voltar aos contosEra um tempo de muita fome. Então apareceu uma árvore cobertinha de frutas maduras. Mas os bichos, como não sabiam seu nome, não queriam ir comê-las. Reuniram-se todos e disseram Que era preciso um deles ir ao Céu, para o Nosso Senhor dizer como se chamava a fruta. Foi um deles ao Céu e Nosso Senhor ensinou o nome da fruta.O bicho, para não esquecer, veio cantando o nome:
“ Muçá, muçá, muçá,
Muçangambira, muçauê. “
No caminho morava uma velha feiticeira. Quando o bicho passou pela porta da velha, perguntou-lhe ela o que andava fazendo e o bicho então contou-lhe o que se passava. A velha, de má que era, saiu na frente, dele, cantando:
“ Munga, selenga, ingambela,
Vina, quivina, vininim…”
O bicho atrapalhou-se e esqueceu o nome da fruta. Lá se foi outro perguntar de novo ao Nosso Senhor o tal nome. O mesmo que se deu com o primeiro, deu-se com este e, por fim, com outros que foram ao Céu, no mencionado propósito: a velha atrapalhava-os com a cantiga, fazendo-os esquecer o no me da fruta. Afinal de contas foi o cágado. Nosso Senhor ensinou-lhe o nome da fruta e ele voltou devagar, cantando:
“Muçá, muçá, muçá,
Muçangambira, muçauê.”
Quando foi passando pela porta da feiticeira, esta foi saindo e perguntando, como de costume:
– Aonde vai cágado?
O cágado só cantando a sua cantiga, bem de seu,sem se importar com a velha: Tornou a mulher:
– Aonde vai cágado?
O cágado só cantando.A velha saiu na frente dele:
“ Munga, selenga, ingambela,
Vina, quivina, vininim…”
Mas o cágado nem como coisa. Nada de se atrapalhar, no seu rojão, cantando o nome da fruta. A velha danou-se. Agarrou-o e atirou-o de costas no chão, com toda a força. O cágado virou-se dizendo:
“ Arre! Pula!
Cercé, bize.”
E continuou o seu caminho, sem esquecer o nome da fruta. Depois de dar-lhe muitas quedas, vendo que nada arranjava, a velha foi-se embora, fumando de raiva. O cágado chegou onde estavam os bichos e disse-lhes o nome da fruta. Eles, muito contentes, agradeceram ao cágado o grande favor que lhes prestava; mas o pobre ficou com o casco todo arrebentadodas quedas que a velha feiticeira lhe deu, como até hoje se vê.
MAGALHÃES, Basílio. O folclore no Brasil: com uma coletânea de 81 contos populares organizados pelo Dr. João da Silva Campos.Brasília: Edições do Senado Federal; 2019.