Convidadas 2018: Malika Halbaoui (Marrocos / França)
voltar às notícias
Este ano teremos uma convidada muito especial que nos trará a possibilidade de conhecer uma antiga tradição dentro da arte da narração que mantém vivas histórias que viajam sobre as areias do deserto há milhares de anos. Estará conosco Malika Halbaoui, uma francesa de origem marroquina cujo pai tem suas raízes entre os povos berberes que habitam o norte da África. Os berberes (também conhecidos como imazighen ou amazigh) são um dos povos mais antigos do continente africano. Habitantes da região do deserto do Saara, estes grupos nômades transitavam por regiões que hoje formam diversos países como a Argélia, Mauritânia, Mali, Líbia e o Marrocos – país de origem da convidada do Boca.
Os três principais grupos berberes são os tuaregues – também conhecidos como “os homens azuis”, os tamazights e os chleuhs mas também existem grupos conhecidos como “berberes dos oásis” que são os rifains, os kabyles e os chaouias. Apesar de uma grande parte dessas comunidades ainda preferir manter suas tradições nômades, algumas se adaptaram à vida nas cidades ou se fixaram nos campos como agricultores. Ainda assim, podemos constatar entre estes indivíduos elementos provenientes de culturas muito diversificadas por serem baseadas num grande número de etnias que se misturaram e produziram, entre outros tesouros, cerca de 25 línguas e 300 dialetos. As muitas invasões e disputas entre povos que tinham o objetivo de dominar aquelas terras e as rotas de comércio que por ali passavam resultou em a uma série de influências mútuas e miscigenações. Alguns aspectos culturais resistiram, outras foram abandonadas. Um exemplo foi a adoção da fé islâmica que determinou a incorporação ou abandono de determinados costumes.
Como grandes comerciantes que eram, os berberes possibilitavam a circulação de mercadorias entre povos distantes como os ashantis, bantos, songhais, haussas e bambaras, e muitas outras regiões africanas, garantindo a chegada e saída de produtos até o Oriente Médio e abastecendo de especiarias as cidades litorâneas do Mediterrâneo, do Atlântico e da Península Arábica. Uma preciosidade que circulou livremente por toda a extensão das rotas de comércio foram as histórias. Sobre lombos de camelos conduzidos por pessoas que se protegiam do sol escaldante e das asperezas da areia ocultando os rostos entre tecidos que esvoaçavam sob o vento cortante, em cestos repletos de especiarias e perfumes exóticos, levadas de um lado a outro do deserto e através das florestas, lá iam as histórias de vários povos e lugares. Todo esse contexto que se ergue ao redor dos povos berberes faz com que sejam justamente eles que pareçam representar com perfeição as imagens sugeridas pelos contos das 1001 noites.
Observar Malika contar suas histórias, que ela diz terem sido a maneira que encontrou para unir sua origem berbere marroquina à sua vida na França; sem dúvida nos faz pensar no mistério da sonoridade dos desertos, das vielas tortuosas de cidades nascidas num tempo distante e nos palácios ornamentados em linhas elegantes em meio a jardins maravilhosos. Suas mãos se abrem em gestos amplos e intensos emoldurando o espaço de onde vem uma voz firme e tranquila, que vai aos poucos preenchendo o espaço em conjunto com o som do instrumento que parece ser um companheiro habitual e querido. Transitando entre o falar tradicional e o criativo, esta artista explora a composição que pode ser construída pelo jogo com a palavra dita, a cantada e a voz dos instrumentos tradicionais do Marrocos. Essa parceria com a música também se mostra na sua atividade como compositora de letras para canções. Mas Malika afirma que a maior escola que ela possui como contadora é a prática frequente que estabeleceu de contar histórias para crianças muito pequenas em creches. Ela diz que a escuta deste público é muito refinada e exigente, colocando-a numa posição de constante aprimoramento e busca daquilo que pode ser o mais poderoso dentro da narração de histórias.
Malika estudou teatro na Sorbonne e no Actors Studio e publicou livros infantis estimulada por Kateb Yacine (escritor e poeta argelino) e Philippe Tancelin (filósofo e poeta). Começou a contar histórias em 1993. E ondulando sua figura esguia e suas mãos expressivas ao som do instrumento que parece cantar o deserto, ela vai, aos poucos, nos envolvendo e encantando.
Les Fiancées d’Anzar [As noivas de Anzar] (trecho) com Malika Halbaoui, Kahina Afzim e Mokrane Adlani. (Cia Hamsa)