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Convidadas de 2016: Andréa Cozzi (Belém/PA)

voltar às notícias 15 de março de 2016

Andrea_Cozzi

As histórias chegaram até Andrea Cozzi pelos fios matizados entre o encarnado, laranja e o azul cinzento do lusco-fusco da Amazônia, ou crepúsculo, como comumente é conhecido em outras regiões. Desde bem pequenina ela ouvia as histórias contadas por sua avó materna, a vó Mirica. As narrativas chegavam quando a avó estava entre linhas e tecidos, na sua velha Singer, e a menina ficava sentadinha no pé da máquina de costura como se segurasse o fio do encantamento das vidas de ambas que velha senhora tecia. Um segundo momento vinha acompanhado de outros ouvidos generosos: a criançada da rua de areia branquinha que começava a chegar e aninhar-se na escada alta da porta da frente da casa da Mirica, aguardando o final da Ave-Maria. Era preciso reconhecer a chegada do lusco-fusco para ter a permissão das histórias. Vovó Mirica sempre dizia que o crepúsculo era o momento mágico da partida do dia e da chegada da noite. No limiar entre o dia e a noite abre-se um portal e as encantarias transitam entre os mundos. Os que foram ensinados a ver com os olhos do poético conseguem perceber a transição: os passarinhos começam a se recolher com seus últimos gorjeios, as formigas invertem sua marcha preparando-se para descansar, as cigarras cantam alto, o vento e as águas dos rios acalmam seus movimentos. Então o contador de histórias tem a permissão de chamar para suas narrativas os seres encantados. Assim foi seu primeiro enredamento com as narrativas orais.

Andrea tem como campo de interesse os fios da memória presentes na voz do narrador através dos tempos. Ela é nascida e criada num mundo de águas doces e correntes, margeadas por matas, por isso muito lhe interessa ouvir os segredos dos rios, dos ventos, das florestas e de todas as encantarias presentes nestes elementos. Compreender conceitos como: memória, oralidade, performance, repertório, narrativas faz parte das suas intenções de pesquisa no contar histórias.

A influência direta dos contadores tradicionais da Amazônia é o seu fio da meada. Como o pescador tecendo sua rede para então posteriormente jogar no rio em busca do alimento, ela procura ouvir as narrativas e aprender dessa voz ancestral a essência do contar, observando cada ponto dado a fim de formar a rede de saberes em que ela se percebe enredada e nutrida como contadora de histórias.

E quando ela ouve um contador, o que mais a encanta são as imagens criadas através da cadência da voz. Porque a voz é um elemento encantador.

Uma de suas histórias favoritas é Urutá e Urut. Esta história a atravessou e se mantém viva bem dentro do seu imaginário, acordando sempre os seus dias de encantamento. Quem lhe contou? Uma Pajé da Ilha do Marajó chamada Zeneide Lima. É a história de dois jovens índios de tribos rivais que se apaixonaram e desse amor, que tem um fim trágico, surge a explicação da origem do Turu, um molusco que nasce nos troncos podres dos mangues e tem a forma de uma lombriga branca.  Ao mesmo tempo que sua aparência causa repulsa, ela é colocada na mesa do caboclo amazônico por suas propriedades extremamente nutritivas e curativas. Tomar um caldo do Turu significa entre outras coisas, ser restabelecido da fraqueza.

Andrea diz que ouvir histórias, muitas histórias, foi o que de mais importante ela teve em sua formação como contadora de histórias. Ouvir aqueles que se encontram emaranhados por fios de vida tecidos por muitas vozes na teia do tempo, e que compartilham um alinhavo, ponto caseado, ponto haste, e, ponto a ponto, ouvem os fiapos de voz e espalham novos bordados.