Convidadas de 2016: Marcela Carvalho (Rio de Janeiro/RJ)
voltar às notíciasFoto: Pedro Napolitano Prata
Marcela diz que seu primeiro contato com as histórias aconteceu na biblioteca do seu período escolar, onde ela ouviu serem contadas histórias “de boca”, sem a ajuda da leitura, que era o recurso mais usado por professores e bibliotecários. Ela ouvia uma nova a cada semana nessa biblioteca da sua infância.
Desde aquela época a Tradição Oral e seu universo atraíram o interesse de Marcela. Esse mundo foi muito bem apresentado e discutido por Walter Benjamin em seu texto “O narrador”, que ela menciona como uma importante referência teórica que traz consigo. Nele, o autor fala, entre outras coisas, da relação entre o fazer manual e a arte da narrativa. Marcela diz que busca por essa mesma relação em seu trabalho pessoa: articular e atualizar as práticas que são transmitidas há muitos e muitos anos por meio da palavra e do gesto.
A artista revela que os livros de Regina Machado e o próprio Boca do Céu também são um referencial importante para o seu trabalho. Ela tem acompanhado as edições do festival desde 2008, assistindo grandes contadores de histórias, trocando experiências e impressões com eles em oficinas ou mesmo nos “corredores”. Exatamente da maneira que se imagina quando falamos de tradição oral, já que, em princípio, não há um lugar específico oficial para que a transmissão aconteça, ou um modo ideal pelo qual a história chegue até seu novo portador. Ela afirma que por várias vezes saiu do Boca do Céu e na semana seguinte contou de boca uma história que ouviu uma única vez. Isso foi possível porque o encontro entre ela e a história aconteceu de fato, profundamente.
Os detalhes que tecem as imagens são o que Marcela mais aprecia em uma história contada.
“Uma vez ouvi Regina contar uma história em ‘gromêlo’. Ao final, o publico tinha que fazer um ‘reconto’, e uma menininha de 5 anos disse que a personagem estava de vestido de florzinha amarela. Eu tinha imaginado um vestido azul bem rodado. A contadora não tinha falado como era o vestido, mas os gestos mostravam que era um ‘modelo bem camponês’. Vi todas as cenas sem nem mesmo entender as palavras. São esses detalhes, alguns detalhes, uma coisa e outra que fazem a história vibrar como em uma projeção coletiva ou individual.”
Por possuir essa qualidade de riqueza de detalhes visualizáveis, Marcela destaca “Flor no Cabelo” como uma de suas histórias favoritas. É uma história bem longa, o que a faz lembrar de uma qualidade que ela julga muito importante para um bom contador de histórias: saber enxugar e pausar uma história, escolhendo o que e como ele quer que seu público a receba.
A contadora revela que na sua formação os encontros foram os acontecimentos mais importantes. Encontros com professores/narradores ao longo da vida, pessoas que souberam “narrar-se” (termo de Paul Ricouer) e que foram aos poucos levando-a a contar suas histórias. Poderia citar vários nomes desde a infância: Odilon Filho, Anália, Leda Pelegrino, André Cortez, Ana Branco, Vicente Barros, Rute Casoy, Gregório Filho, Eliana Yunes. Mas, principalmente, o encontro com as crianças na biblioteca, como já havia acontecido com ela, foi o aprendizado mais importante nessa trajetória. O Exercício de ter que contar sempre uma história nova, ampliar o repertório, incluir o repertorio deles no seu próprio, escutar as crianças durante a narrativa, e essa escuta levar à escolha do conto da semana seguinte. Ter na rotina o lugar e as pessoas para quem contar, contar e recontar, entregue à repetição e à busca. A prática com interlocução constante sem dúvida me levou-a, um dia, a dizer: ”Sou contadora de histórias!” e com isso ser feliz para todo o sempre!