O pássaro de fogo e Vassilissa-Filha-de-Rei

voltar aos contos 1 de março de 2014

Era uma vez… num reino distante, muito além da vigésima sétima terra, um rei forte e poderoso. Tinha esse rei um fabuloso arqueiro, e o fabuloso arqueiro tinha um cavalo mágico. Certa vez, o fabuloso arqueiro montou seu cavalo mágico e foi ao bosque: saiu cavalgado pela estrada, saiu cavalgando à larga e, de repente, deparou-se com uma pena dourada do pássaro de fogo: a pena brilhava como fogo! O cavalo disse a seu dono:

– Não pegue a pena dourada. Quem pegar a pena, conhecerá a desgraça!

O bom rapaz pôs-se a refletir: pegar ou não pegar? Se pegasse a pena, poderia entregá-la ao rei e receber uma generosa recompensa; quem não quer favores do rei?

Pois o arqueiro não deu ouvidos ao cavalo, pegou a pena do pássaro de fogo, levou-a consigo e deu-a de presente ao rei.

– Obrigado! – disse o rei – Agora que você conseguiu uma pena do pássaro de fogo, traga-me então o pássaro inteiro. Se não o trouxer: daqui minha espada, daí sua cabeça cortada.

O arqueiro derramou lágrimas amarguradas e foi buscar o seu cavalo mágico.

– Por que está chorando, meu senhor?

– O rei deu ordens de trazer o pássaro de fogo.

– Eu não lhe disse? Quem pegar a pena,  conhecerá a desgraça! Mas não tenha medo, não chore; isso ainda não é desgraça, a desgraça está por vir! Procure o rei, peça-lhe que amanhã espalhem cem sacas de milho em campo aberto.

O rei mandou espalhar em campo aberto cem sacas de milho.

No dia seguinte, ao despontar da manhã, o fabuloso arqueiro foi ao campo, deixou o cavalo solto por lá e, enquanto isso,  escondeu-se atrás de uma árvore. De repente, o bosque pôs-se a rumorejar, no mar ergueram-se ondas – era o pássaro de fogo que chegava. O pássaro voou até o campo, pousou na terra e começou a bicar o milho. O cavalo mágico aproximou-se do pássaro de fogo, pisou em sua asa e prendeu-a firmemente com o casco. O fabuloso arqueiro saltou de trás da árvore, bem depressa amarrou o pássaro de fogo com cordas, montou de novo o cavalo e pôs-se a galopar em direção ao palácio.

Chegando lá, entregou ao rei o pássaro de fogo; rei examinou o pássaro, alegrou-se, agradeceu ao arqueiro pelo serviço, condecorou-o e, no mesmo instante, deu-lhe nova tarefa:

– Agora que já conseguiu o pássaro de fogo, traga-me então uma noiva. Num reino distante, pra lá da vigésima terra, lá no fim do mundo, onde o solzinho nasce vermelho e bonito, vive Vassilissa-Filha-de-Rei: ela é que me serve. Se a trouxer, ganhará ouro e prata; se não a trouxer, daqui a minha espada, daí sua cabeça cortada!

O arqueiro derramou lágrimas amarguradas e foi buscar o seu cavalo mágico.

– Por que está chorando, meu senhor? – perguntou o cavalo.

– O rei deu ordens de trazer Vassilissa.

– Não chore,  não se aflija; isso ainda não é a desgraça, a desgraça está por vir. Procure o rei, peça-lhe uma tenda de topo dourado, diversos víveres e bebidas para a viagem.

O rei deu ao arqueiro víveres, bebidas e uma tenda de topo dourado. O fabuloso arqueiro montou no seu cavalo mágico e partiu para o reino distante; o tempo passou, as horas correram e o arqueiro chegou ao fim do mundo, onde o solzinho nasce vermelho e bonito de trás do mar azul.

Assim que chegou, olhou o mar azul e avistou Vassilissa-Filha-de-Rei remando em um barquinho prateado, com um remo dourado. O fabuloso arqueiro soltou o cavalo nos prados verdejantes, para mascar a relva fresca; enquanto isso,  armou a tenda de topo dourado, distribuiu dentro dela os diversos víveres e bebidas, sentou-se lá e começou a se servir, à espera de Vassilissa-Filha-de-Rei.

Pois Vassilissa-Filha-de-Rei notou o topo dourado de tenda, navegou até a margem, desceu do barquinho e pôs-se a espiar.

– Olá, Vassilissa-Filha-de-Rei! – disse o arqueiro. – Faça a gentileza de entrar, venha provar o pão e o sal de boas vindas, venha tomar vinhos de além-mar.

Vassilissa-Filha-de-Rei entrou na tenda; os dois começaram a comer, a beber e a se divertir. A filha de rei tomou uma taça de vinho de além-mar, embriagou-se e caiu num sono profundo. O fabuloso arqueiro chamou o cavalo mágico, e o cavalo veio a galope; no mesmo instante, o arqueiro desmontou a tenda de topo dourado, montou no cavalo mágico, levando junto a adormecida Vassilissa, e lançou-se à estrada, como uma flecha.

O arqueiro foi direto ao rei. Assim que viu Vassilissa, o rei alegrou-se muito, agradeceu ao arqueiro pelo serviço prestado, presenteou-o com um tesouro e condecorou-o com uma ordem elevada.

Vassilissa-Filha-de-Rei despertou, percebeu que estava longe, bem longe do mar azul, começou a chorar de tristeza e até perdeu a cor; por mais que o rei tentasse animá-la, era tudo em vão. Então o rei teve a ideia de casar-se com ela, mas Vassilissa disse:

– Quem me trouxe para cá que vá ao mar azul: no meio do mar há uma pedra grande, sob essa pedra está guardado o meu vestido de noiva… sem ele não caso!

No mesmo instante o rei mandou chamar o fabuloso arqueiro:

– Vá bem depressa até o fim do mundo, onde o solzinho nasce vermelho e bonito; lá, no mar azul, há uma pedra grande, sob essa pedra está guardado o vestido da noiva de Vassilissa-Filha-de-Rei; pegue o vestido e traga-o para cá; é chegada a hora de preparar o casamento! Se trouxer o vestido, terá recompensa maior do que as outras; se não o trouxer, daqui minha espada, daí sua cabeça cortada.

O arqueiro derramou lágrimas amarguradas e foi buscar o cavalo mágico.

– Eis que chegou a hora da morte – pensava ele.

– Por que está chorando, meu senhor? – perguntou o cavalo.

– O rei deu ordens de tirar do fundo do mar o vestido de noiva de Vassilissa-Filha-de-Rei.

– O que foi que eu lhe disse? Não peque a pena, se não conhecerá a desgraça! Mas não tenha medo: isso ainda não é a desgraça, a desgraça está por vir! Monte em mim e vamos até o mar azul.

O tempo passou, as horas correram, o fabuloso arqueiro chegou ao fim do mundo e parou bem junto à beira-mar. O cavalo mágico deu uma olhada ao redor e viu o maior dos lagostins marinhos, arrastando-se pela areia. Pisou então com o casco pesado na pontinha da carapaça dele.

O lagostim suplicou-lhe:

– Não me mate, poupe a minha vida! Se algum dia precisar de mim, eu o ajudarei.

O cavalo respondeu:

– No meio do mar azul há uma pedra grande, sob a pedra está guardado o vestido de noiva de Vassilissa-Filha-de-Rei. Traga o vestido!

O lagostim gritou bem alto, para o mar inteiro; no mesmo instante, o mar agitou-se: de todos os lados, um sem-fim de lagostins – dos grandes e dos pequenos – rastejou até a praia! O lagostim mais velho ordenou-lhes que se lançassem ao mar e, em uma hora, trouxessem lá do fundo, de debaixo da pedra, o vestido de Vassilissa-Filha-de-Rei.

E assim o arqueiro levou ao rei o vestido; mas Vassilissa de novo teimou em não casar.

– Não me caso com você – disse ao rei – enquanto não mandar o fabuloso arqueiro banhar-se em água fervente.

O rei ordenou encher de água um caldeirão de ferro, deixar ferver o máximo possível e jogar o arqueiro nessa fervura.

– Eis a desgraça! Ai, que desgraça! – pensou ele. – Ai, ai, ai, por que fui pegar a pena dourada do pássaro de fogo? Por que não dei ouvidos ao cavalo?

Lembrou-se então do cavalo mágico e disse ao rei:

– Soberano rei! Permita que antes de morrer eu me despeça do meu cavalo.

– Então vá!

O arqueiro foi até o cavalo mágico e chorou amargamente.

– Por que está chorando, meu senhor?

– O rei mandou que eu me banhasse em água fervente.

– Não tenha medo, não chore, você sobreviverá! – disse lhe o cavalo e às pressas lançou um feitiço para proteger o corpo branco do arqueiro da água fervente.

Quando o arqueiro voltou da estrebaria, no mesmo instante, os homens do rei o capturaram e zás – direto para o caldeirão. O arqueiro mergulhou umas duas vezes na água fervente e saltou fora tão belo e garboso que em palavras nem se pode contar e em contos de fadas não se pode encontrar. O rei, ao ver como o arqueiro ficara belo, também quis se banhar; enfiou –se feito bobo n’água e, no mesmo instante, foi escaldado.

Enterraram o rei e no seu lugar decidiram pôr o fabuloso arqueiro. Então o arqueiro casou-se com Vassilissa-Filha-de-Rei, e viveram juntos no amor por muitos e muitos anos.

Fonte: AFANASSIEV, Alexander. O pássaro de fogo: Contos populares da Rússia. São Paulo: Berlendis e Vertecchia; 2011.