A viagem do Príncipe Átila ao fim do mundo

voltar aos contos 23 de março de 2014

Era uma vez um rei que tinha um filho chamado Átila. Um dia o rei chamou os sábios de seu reino e lhes disse:

— Como posso por meu filho à prova para saber se é realmente valente e digno de suceder-me como rei?

— Mande-o procurar o jardim mágico onde crescem as maçãs da vida – disse um dos conselheiros. – que traga uma para Vossa Majestade.

— Mande-o buscar o anel da verdadeira felicidade – disse outro.

O terceiro disse:

— O príncipe deve trazer o espelho da verdade do palácio do rei Mendoza, que vive no Reino do Fim do Mundo.

O rei despediu seus cortesãos e mandou chamar o filho. Quando Átila se apresentou diante dele, disse-lhe:

— Meu filho, a fim de provar seu valor, quero que saia pelo mundo e me traga um… uma maçã do jardim da vida, o anel da verdadeira felicidade e o espelho da verdade do reino do Fim do Mundo.

O príncipe imediatamente concordou em ir buscar essas coisas maravilhosas, e o rei deu uma grande festa para comemorar a partida do filho.

Naquela noite o príncipe estava agitado em seu leito, perguntando-se como faria para realizar tão estranha viagem, quando uma luz brilhante surgiu num canto de seu quarto e lá, no meio da luz, viu uma forma reluzente e fantástica.

— Não tenha medo de mim – disse a cintilante e formosa criatura. – Sou a sua fada protetora e estou aqui para ajudá-lo. Seu pai lhe impôs três tarefas.

Átila ergueu-se no leito e arregalou os olhos, mudo de assombro.

— Essas tarefas não são tão difíceis como imagina – continuou a fada. – Durma bem esta noite e amanhã, quando partir, eu protegerei você.

A fada sorriu, apanhou uma corrente com um talismã e disse:

— Ponha isto no seu pescoço, Átila. Quando precisar de mim, esfregue-o três vezes.

Antes que Átila pudesse agradecer, a fada desapareceu.

Na manhã seguinte o príncipe montou seu cavalo no pátio e saiu do castelo. Estava muito excitado, já que nunca tinha saído do reino de seu pai e tinha todo o mundo pela frente.

Cavalgou, cavalgou, e a fada sempre aparecia toda vez que ele precisava saber que caminho seguir. Durante três dias cavalgou, dormindo junto a seu cavalo quando a noite chegava.

Por fim chegou a um país desconhecido e viu num vale um jardim cercado de muralhas. Galopou até chegar a uma pesada porta, que se abriu quando a tocou. Amarrou as rédeas do cavalo na porta e vagou pelo pomar, onde as macieiras exibiam seus ramos carregados de frutos. Olhou ao redor e, nesse instante, a voz da fada protetora chegou novamente ao seu ouvido:

— Apanhe uma das maçãs, este é o jardim mágico onde crescem as maçãs da vida.

Átila estendeu a mão e apanhou uma maçã vermelha e brilhante. Nesse momento um grande número de criaturas voadoras zumbiu ao seu redor, picando-o furiosamente nas mãos, no rosto e no pescoço. Ele esfregou o talismã e gritou:

— Socorro! Socorro!

No mesmo instante todas as criaturas desapareceram e as picadas deixaram de doer. Montou rapidamente no cavalo. Cavalgou, cavalgou até deixar bem longe o jardim mágico. Só então suspirou aliviado. Havia passado pela prova e a maçã estava em seu bolso.

Agora cavalgava pela paisagem mais bonita que pudesse ter imaginado, com botões em flor por toda parte e um riacho de prata correndo entre margens cobertas de musgo. Apeou num salto e foi beber no riacho, onde o cavalo também saciou a sua sede. O cavalo começou a mordiscar um delicioso pasto verde, e o príncipe começou a sentir muita fome. Três lindas jovens chegaram com cestos de roupa lavada e estenderam-na sobre os arbustos para secar. Quando viram o príncipe deixaram tudo de lado e se aproximaram dele.

— Poderiam dizer-me onde posso encontrar alojamento para passar a noite? – perguntou o príncipe Átila. – Meu cavalo e eu estamos muito cansados.

A moça mais jovem o levou colina acima e mostrou-lhe uma granja onde poderia ficar por algum tempo.

Naquela noite, enquanto o granjeiro e sua mulher estavam sentados à mesa com o príncipe, ouviram bater à porta.

— Quem poderá ser a esta hora da noite? – disse o granjeiro, e foi atender a porta, onde estava um velho mendigo encharcado pela chuva.

— Entre, vovô, entre rápido e aqueça-se ao fogo – falou o granjeiro, e sua esposa lhe deu uma xícara de caldo.

Envolveram o velho num cobertor quente, e quando os outros foram para cama ele se deitou junto ao fogo.

O príncipe Átila estava em um pequeno quarto que dava para a cozinha, mas no meio da noite foi despertado pelo som de alguém se queixando. Levantou-se e foi até a cozinha, onde viu o velho estendido, muito doente. Outra vez a voz da fada protetora sussurrou-lhe ao ouvido:

— A maçã da vida, dê-lhe a maçã da vida.

Átila tirou do bolso a preciosa maçã e deu ao ancião um pedacinho, e depois outro. Quando terminou de comer a maçã o velho mendigo parou de queixar-se e, subitamente, ocorreram mudanças maravilhosas. Seus olhos se tornaram brilhantes, seu cabelo ficou negro, seus membros se tornaram fortes, e em dez minutos ele se levantou com um aspecto cinqüenta anos mais jovem.

— Obrigado, príncipe Átila – disse. – Em troca de sua bondade eu lhe darei algo: aqui está o anel da verdadeira felicidade, que sei que está procurando.

Átila viu que tinha na mão um anel de ouro com uma pedra de opala de estranho brilho.

— Como sabe quem sou? – perguntou Átila. – Você é um mago?

— Não. Fui mandado aqui por sua fada protetora para trazer-lhe este anel, que foi meu durante muitos anos. Agora, como você me deu a maçã da vida, poderei continuar minha busca, que é secreta, por mais cinqüenta anos.

Na manhã seguinte, quando o príncipe acordou, o viajante já havia partido. O granjeiro e sua mulher procuraram convencer o jovem a ficar mais tempo com eles, mas Átila decidiu partir para o Reino do Fim do Mundo. Deu-lhes uma peça de ouro, agradeceu-lhes e se afastou em seu cavalo. Deixou que o cavalo o levasse cada vez mais longe, até que chegaram a um lugar totalmente desolado, com montanhas até onde a vista alcançava. À noite encontraram abrigo numa grande caverna, e na escuridão do interior a fada protetora apareceu ao príncipe.

— Você não está longe do Fim do Mundo, Átila. Amanhã você atravessará a montanha e chegará ao palácio do Rei Mendoza. Eu o ajudarei a conseguir dele o espelho da verdade e depois o ajudarei a voltar ao seu país.

Dizendo isto a fada desapareceu.

Na manhã seguinte, quando o príncipe acordou, o sol brilhava alto no céu. O cavalo, com valentia, levou-o através de um estreito caminho, com rochas tão grandes dos dois lados que pareciam torres. À distância, Átila viu um gigantesco castelo suspenso no alto da montanha, bem no fim do mundo. Nele havia cem torres, e em cada uma brilhava uma estrela dourada. O caminho até o castelo era difícil, mas Átila conduziu sua montaria com cuidado por toda a extensão da trilha, e eis que diante deles apareceram as portas douradas do castelo do Rei Mendoza.

— Que deseja? – perguntou o capitão da guarda quando o príncipe bateu a aldrava em forma de cabeça de leão.

— Vim ver o Rei Mendoza – disse Átila corajosamente.

O principal conselheiro do rei chegou para levá-lo á presença do soberano, porque o rei minutos antes tinha visto a chegada de Átila no espelho da verdade.

O rei Mendoza estava sentado em seu trono de marfim lavrado, mas não parecia feliz. Disse a Átila:

— Vivo neste castelo dourado e tenho o quarto do tesouro cheio de jóias, meus estábulos estão cheios de cavalos magníficos e meus domínios são os mais ricos da Terra. Mas não conheço a paz de espírito. Por quê?

— Majestade – disse Átila, tirando o anel da verdadeira felicidade. – Use isto e terá o que não tem.

Mal o anel tocou o dedo do rei Mendoza, o monarca sentiu a felicidade em cada veia do seu corpo e em cada fio de cabelo de sua cabeça. Saltou do trono e exclamou:

— Você terá o que quiser, qualquer coisa que diga e que esteja em meu reino, porque agora sou o homem mais feliz do mundo!

— Poderia dar-me o espelho da verdade? – perguntou Átila.

O rei respondeu imediatamente:

— De todo o coração!

Átila permaneceu por algum tempo no Reino do Fim do Mundo e foi homenageado por sete dias e sete noites.

Finalmente partiu rumo ao seu lar, levando o espelho da verdade em seu alforje.

Viajou durante muitos dias pelo longo caminho de regresso, até que se aproximou de casa. Há poucas milhas do palácio viu um enorme dragão e notou que a fera tinha uma jovem entre as fauces. Átila esfregou três vezes o talismã e, firmando-se nos estribos com a espada desembainhada, atirou-se contra o monstro, gritando com todas as suas forças. Logo, com um poderoso golpe, matou o dragão. A jovem que salvou era filha de um carvoeiro e lhe agradeceu de todo coração.

Venha – disse o príncipe. – suba no meu cavalo e a levarei para casa.

Átila nunca tinha visto uma jovem tão bela e lhe pediu que se tornasse sua esposa.

Assim cavalgaram alegremente até o palácio. Mas todas as casas estavam fechadas e as lojas também. Ninguém veio saudar o príncipe que regressava ao lar. As portas do palácio também estavam hermeticamente fechadas, e por mais que príncipe as golpeasse com todas as forças permaneceram sem abrir-se. Tirou então de seu alforje o espelho da verdade, olhou nele e viu que toas as pessoas da cidade estavam assustadas com a grande fera que acabara de matar.

Gritou então, enquanto brandia a espada:

— Saiam! Saiam de suas casas e lojas e abram o palácio. O dragão está morto! Matei o dragão!

Imediatamente o povo saiu correndo de suas casas e lojas, todos se alegraram em vê-lo de volta e o levaram para o palácio. A filha do carvoeiro se perdeu no meio da multidão, mas o príncipe logo a encontrou e a levou à presença de seu pai. O rei estava muito feliz por tornar a vê-lo, felicitou-o por sua formosa noiva e disse:

— Que aconteceu com a maçã da vida, o anel da verdadeira felicidade e o espelho da verdade?

Átila então contou toda a história, do princípio ao fim, sem omitir um só detalhe, e lhe deu o espelho da verdade.

— Querido, filho – disse o rei, — você me trouxe o melhor que um ser humano possa ter, mesmo sendo um rei. Porque sem a verdade o que é a felicidade? O que é a vida?

 do livro Histórias da Tradição Sufi, organizado por Nícia de Queiroz Grillo, editora Dervish